quarta-feira, 23 de setembro de 2015

01: Irmãos (Parte 3)


Passamos a manhã inteira pelas ruas da metrópole. Quando o sol chegou ao seu esplendor, chegamos a uma casa um pouco mais alta que as demais, cercada por alguns degraus e com guardas particulares às portas. Gladius os cumprimentou com um sorriso enquanto se aproximava. Eles pareceram se espantar ao ver meu amigo e um deles correu para dentro da construção.

- Senhor, aguarde para organizarmos uma recepção adequada – solicitou um dos guardas.

Gladius dispensou o pedido com um gesto, passou pelas pilastras e entrou pelo portão interno. Por dentro, tudo parecia ainda mais alto e mais extenso do que por fora. Muitas janelas cercavam as paredes, permitindo uma boa iluminação solar e objetos de arte, como vasos, escudos decorativos, tapeçarias e estátuas mobiliavam a residência. Pessoas de variados tipos interrompiam o que estavam fazendo para nos observar enquanto meu amigo simplesmente caminhava da forma mais natural imaginável. Eu o seguia tentando disfarçar meu nervosismo. Enquanto contornávamos a imensa mesa de pedra que ficava no centro do salão, um homem de meia-idade entrou pelo lado oposto do recinto. Vestia uma túnica branca e vermelha, tinha o rosto reto de um comandante, poucos cabelos claros na cabeça e sobrancelhas em eterno riste, aparentemente pelos anos de trabalho militar severo. Ele abriu um sorriso ao ver o filho, mas os olhos pareciam estar moldados na severidade. Abriu os braços e apertou Gladius com firmeza.

- É bom tê-lo de volta.

Gladius não respondeu, apenas manteve o abraço. Logo ambos se desvencilharam.

- Já mandei matarem uma cabra e um javali! Meu filho merece um banquete! – Ele prosseguiu.

- Pai, por favor, não precisa convidar a cidade inteira – o bom humor do meu amigo estava diferente. Menos ácido, mais confortável.

- Vá abraçar sua mãe e sua irmã enquanto eu organizo a janta. E, por favor, entregue sua mochila a um escravo! Paguei caro pra eles por algum motivo!

O pai de meu amigo apertou a minha mão, encerrou a breve conversa e entrou por algum corredor do casarão. Gladius obedeceu à ordem do pai, entregou sua mochila a um servo, mandou que eu fizesse o mesmo e fez sinal para que eu o acompanhasse.

Atravessamos alguns corredores de pedra cinzenta e logo chegamos a um jardim circular que mais parecia uma praça de tão grande, dominado pelo verde e decorado com algumas estatuas e um chafariz no centro, onde algumas mulheres teciam e praticavam harpas. Duas mulheres, que eu identifiquei como a mãe e a irmã de Gladius, estavam sentadas à beira da água nitidamente ansiosas, segurando os nervos por pura formalidade. Ambas abriram um sorriso largo ao verem o meu amigo chegar. A mãe o media da cabeça aos pés, observando o homem que o filhinho se tornara. A irmã apenas olhava para seus olhos, admirando o irmão com a paixão pura e genuína de uma caçula. Ambas se pareciam com ele: olhos castanhos e cabelos loiros, corpo naturalmente esbelto e o sorriso contagiante – apesar de que nenhuma das duas parecia ser nenhum tipo de canalha, como o meu amigo. Elas pareciam mais jovens do que realmente eram, assim como Gladius poderia ser facilmente confundido com um moleque alto demais. A mãe estava longe de ter cabelos grisalhos e a irmã ainda parecia uma menina.

Gladius, adorando os olhares das moças, parou em frente a elas cheio de pompa e estendeu os braços esperando a reação. Sua mãe se levantou, fez uma pausa diante do filho e o envolveu com seus braços com a mesma ternura que o abraçaria quando era um bebê, com a diferença de ter que se esticar e de encostar seu rosto no tórax do filho e não o contrário. O abraço durou bastante tempo. A mãe não o apertou muito, parecendo apenas degustar os batimentos cardíacos do filho. Gladius sorria suavemente. Depois de alguns longos minutos, ela discretamente limpou uma lágrima de seu rosto e o soltou, abrindo espaço para sua irmã lhe cumprimentar. A jovem se levantou agilmente e logo agarrou o pescoço do meu amigo, puxando-o para baixo e contendo um grito de felicidade entre os dentes. Ela o sacudiu e ele riu do ânimo da irmã. Lembro quando ele foi visitar os pais depois de um ano sem sair do templo e voltou espantado, contado que tinha uma irmã. Nos primeiros anos, ele estranhava a presença dela, mas logo passou a adorá-la e falar dela com zelo e afeto. Ela o soltou, ele deu um passo para trás e as duas continuaram o olhando, encantadas. Parecia que Gladius era feito de ouro para elas e ele adorava isso.

- Mãe, Alexandra, esse é Draco, meu melhor amigo.

Pela primeira vez elas olharam para qualquer outra coisa que não fosse ele. Cumprimentaram-me calorosamente, mas sem dispensar a formalidade e comentaram sobre o quanto Gladius falava de mim e coisas do gênero. Fiquei honrado em conhecê-las.

- Vocês dois fedem! – Comentou a guria.

- Alexandra, modos! – Censurou a mãe. – Desculpem-na, rapazes, o que a minha filha quis dizer foi: vocês não gostariam de um banho quente pra descansarem da viagem e se prepararem pra janta? – A mãe tentou corrigir.

- Ei! Fedido! Deixa eu ver a sua espada? – Alexandra insistiu.

- Alexandra, passará as próximas semanas tecendo uma cortina para cobrir a casa inteira se continuar com isso!

Gladius se divertia com as duas.

- Eu e Draco precisamos de um pouco de água mesmo. Vejo que compraram servas jovens enquanto estive fora. Elas poderiam esfregar minhas costas.

- Guarde seus hormônios pra sua noiva, rapaz! – Mais uma censura materna.

- Noiva? – Gladius pareceu gelar por dentro. O clima ao nosso redor nebulou após a pergunta do meu amigo. Seu rosto se contraiu e sua mãe hesitou, como se reorganizasse as ideias. Com polidez, prosseguiu:

- Banho, filho! Não me obrigue a puxar a sua orelha! – A mãe brincou, mudando de assunto e começou a empurrar o filho gentilmente, apressando-o com delicadeza.

- Mãe, que noiva? – Ele insistiu.

- Banho! – Ela continuou empurrando e forçando-o a andar. Eu os segui.

Os passos pesados e marciais do meu amigo viraram um arrastar confuso e ele pareceu perdido em pensamentos enquanto a mãe o conduzia pelos ombros, não mais o empurrando.

Chegamos até o que parecia ser um lago de fonte natural dentro do casarão, a mãe do meu amigo anunciou que chamaria os servos para nos atenderem em qualquer necessidade e nos deixou a sós.

Estávamos sozinhos, mas ele parecia ainda atônito. Até que me olhou e me perguntou:

- Draco, que noiva?Mais uma vez, eu não soube o que responder.

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