quinta-feira, 10 de setembro de 2015

01: Irmãos (Parte 1)

Narrado por Draco.

Existe alguma bondade no mundo. E vale à pena lutar por ele.

Cruzamos nossas espadas em três golpes consecutivos. Sempre começávamos nossos treinos – que mais pareciam disputas – assim, como uma tradição. Após os três estalos metálicos, entramos em posição de guarda e nos encaramos. Ele estava com o seu típico sorriso debochado.
 

- Não adianta, Draco, você vai ser sempre o segundo lugar! – Ele começou com a bravata.

- Se eu sou o segundo lugar, por que é você quem sempre faz o desafio? – Retruquei.

Enquanto eu respondia, Gladius estocou com sua espada. Esquivei pela esquerda e tentei um golpe horizontal, desenhando um arco no ar. Ele se agachou, desviando, e tentou uma segunda estocada. Girei e, no mesmo movimento, ataquei. Meu amigo aparou a minha espada com a dele e cruzando nossas armas de novo. O divertido de lutar contra Gladius é que ele era destro e eu canhoto.

- Você é lento! – Mais uma afronta.

- Você não tem fôlego! – Mais uma resposta.

Em vez de desfazer a cruz de espadas, começamos a forçar nossas armas uma contra a outra. De fato, Gladius era mais rápido e eu era mais resistente, mas, em questão de força física, éramos equilibrados. As lâminas começaram a vibrar com a pressão resistida por ambos os lados. Ora, eu recuava, ora, ele recuava. Apenas um braço na disputa, pois o outro estava ocupado com o escudo. Olho no olho. Forçávamos como duas crianças disputando uma queda-de-braço apenas para provar uma suposta virilidade infantil. Percebendo que a força ficaria eternamente no impasse, começamos a por a moral em prova. Minha expressão era séria e concentrada, demonstrando que nem a lábia barata e nem a força dele me desequilibravam. A dele, em eterno deboche, esbanjava que meu esforço e minha dedicação não afetavam seu ego inflado. Insistimos na disputa mental por um instante e percebemos que também seria eterna. Já nos conhecíamos bem demais para nos abalar com a postura um do outro. Quando éramos crianças, ora eu o perturbava ignorando suas micagens, ora ele me irritava profundamente com suas implicâncias, mas, adultos, não conseguíamos nos atingir dessa forma. Ainda nos divertíamos com nossas posturas divergentes, mas não perdíamos a cabeça. Hoje, resolvíamos com a lâmina.

O ponto de encontro de nossas espadas começou a trincar e um grunhido começou a surgir de ambos. A disputa havia voltado para as armas. Comecei a sentir meu braço ferver de esforço. Ignorei uma gota de suor incômoda que escorreu pelo meu rosto. Ajustei um pé para ter mais impulso contra o meu amigo. E as lâminas vibravam. A minha seriedade e a cara de deboche de Gladius começaram a se desmanchar simultaneamente. As sobrancelhas se franziram, os dentes se revelaram e os grunhidos começaram a se transformar em rosnados. Aos poucos, nossas diferenças foram se quebrando. Conforme a espírito competitivo e o esforço foram gritando mais altos do que a disciplina e o ego, fomos deixando de lado nossos traços superficiais e distintos para assumirmos nosso real espírito: o de guerreiros.

Em um instante, explodimos num grito final que decidiria o embate das armas. Forças iguais, mas não resistências iguais. Gladius cansava mais rápido do que eu, logo, sua força falhava primeiro numa disputa longa - o idiota caiu perfeitamente na minha armadilha. Enquanto as paredes vibravam com os gritos uníssonos, obriguei o braço do meu amigo a ceder e, no mesmo instante, deslizei minha lâmina na dele, de baixo para cima, tirando seu equilíbrio e fazendo sua guarda abrir. Aproveitei o impulso do movimento, girei, mas moderei o ataque, acertando de leve uma costela, apenas arrancando um pouco de sangue.

- Você está morto – declarei minha vitória.

- Acha que um golpe de menina mata alguém? Não ouse abaixar a guarda! – Como eu disse, um idiota.

Gladius atacou na altura do meu ombro, me forçando a levantar o escudo. Aproveitando que metade da minha visão estava tampada, ele deu um passo rápido e tentou atacar minha perna. Prevendo o seu movimento sujo, abaixei o escudo e ouvi sua espada raspar no metal. Pensei em contra-atacar, mas ele deu outro passo rápido, indo para trás de mim e espetando a minha outra perna, me derrubando de joelho no chão. O desgraçado era realmente ágil.
 

- Ouvi dizer que quem cai primeiro, perde – ele riu.

Com a mesma perna que ele feriu, eu acertei um chute – praticamente um coice – no tornozelo dele, o derrubando no chão também. Girei e acertei com força o seu rosto com o cabo da minha espada. Ele rolou no solo, mas logo se apoiou com os braços e me encarou, exibindo a sua maçã do rosto inchada e roxa. Seu humor havia sumido.

Levantamos ao mesmo tempo, sem tirar o olho um do outro.

- Isso é pra você aprender a lutar como um homem – provoquei.

Ele engoliu a cara de raiva e sorriu, retornando ao seu normal.

Entramos em guarda.

Ele veio em minha direção.

Fingiu que atacaria na altura do meu tórax e, repentinamente, desceu a espada na direção da minha coxa. Dei um passo para trás e afastei a espada dele com a minha. Aproveitei a guarda aberta, estoquei e ele pulou para a esquerda, me evitando. Deu meio passo para a direita e dois para esquerda, numa finta típica. Desenhou meio arco no ar, foi interrompido pela minha espada e girou tentando uma estocada bloqueada pelo meu escudo. Ergui meu joelho até quase o meu queixo e chutei seu abdome. Uma das táticas de Gladius era sufocar o adversário com ataques sucessivos até ter uma brecha na defesa e eu não permitiria essa manobra.

Ataquei da esquerda para a direita, causando um impacto forte contra o escudo dele. Ergui minha espada e desci na direção da sua cabeça, o obrigando a defender novamente com o escudo e causando outro impacto. Tentei o terceiro golpe, mas ele percebeu a minha estratégia e esquivou para a direita, me fazendo estocar o ar. Quase consegui arrancar o escudo dele! Sem sua principal proteção, ele seria alvo fácil. Mas Gladius também conhecia as minhas estratégias.

Ele deu alguns passos, se afastando de mim.

O corpo inteiro fervia e suava. Ambos inspiravam pelo nariz e respiravam pela boca. Ombros subiam e desciam como uma maré constante. Ninguém pensava em desistir.

- Acho melhor você assumir que foi derrotado mais uma vez, Draco – ele tentou me desmoralizar.

- Pelos meus cálculos, estamos empatados.

- Que conveniente, nosso ultimo dia de treinamento vai terminar em desempate.

- Não. Nosso último dia de treinamento vai terminar com o meu pé sobre a sua cabeça.

Ele sorriu confiante.

Ergueu o seu escudo e a sua espada e correu em minha direção, num ataque decisivo. Provavelmente, ele esperava que eu tivesse algum tipo de estratégia mirabolante de última hora. Provavelmente, ele acreditou que seria mais rápido do que a minha mente e encerraria a luta naquele golpe. Pouco me importei. Falei um “dane-se” para mim mesmo, entrei na estratégia dele e corri contra o meu amigo.

Uma distância muito curta, passos muito pesados impulsionados por gritos, espadas prontas para abrir carne. Corremos até menos de um metro de distância um do outro, ele atacou e eu pulei. No instante em que sai do chão, sua expressão o traiu, mostrando seu espanto. Mantive meu escudo na altura do seu golpe, aparando o ataque e joguei todo o meu peso em cima dele. Ele se desequilibrou, metal capotou por cima de metal, seu corpo tombou e o meu escudo acompanhou seu tórax até o chão. Por um segundo, tudo foi confusão, entre golpe, pulo, tombo. Meu objetivo era recuperar o controle da situação antes dele – e consegui. Imprensei meu amigo no solo com o meu escudo, ergui a minha espada e a apontei para o seu pescoço, há um palmo de distância.

Ele tossiu e puxou o ar com força. Aliviei o peso sobre o peito do meu amigo para não desmaiá-lo. Depois de alguns instantes, ele abriu os olhos, me encarou e logo notou a espada o rendendo. Ficou incrédulo. Era tão convencido que não podia digerir a ideia de ser derrotado.

Um perfeito idiota.

Meu melhor amigo.

- Você está morto – declarei minha vitória.

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