quarta-feira, 26 de outubro de 2016

O Silêncio dos Condenados

Era o dia da decisão e eu ainda estava em dúvida.

O único dia em que eu ficava ansioso, apesar dos meus esforços para evitar tal sentimento.

Ainda estava ministrando a minha aula sobre a História de Dellarte quando uma das minhas opções se mostrou especialmente participativa. Ela debatia, mas só quando julgava que sua opinião acrescentaria à aula. Ela questionava quando tinha uma dúvida legítima. E nunca havia corrigido um colega publicamente. Encantadora.

A minha dúvida era se a moça usaria seus conhecimentos para melhorar o mundo ou se buscava fins egoístas.

- Afinal, se a nossa pátria nunca enviou sequer uma tropa pra Guerra da Cruz, por que nenhuma das nações vizinhas, hoje aliadas, questiona a nossa participação e influência no conflito.

- Por que nós enviamos espiões pras zonas de conflito? - Um aluno tentou responder, apesar de não disfarçar seu chute. Errou de longe, mas como eu sei que seus esforços vão além de tentativas públicas, não me ofendo com sua ignorância, pois ele ainda tinha salvação.

- E por que enviaríamos espiões? O que faríamos com as informações, se levaria meses pra mover o exército e finalmente participar do confronto? Guardaríamos os segredos só pra gente? Não, não enviamos espiões.

- Nós enviamos grupos de aventureiros pra guerra – um aluno um pouco mais talentoso deu a resposta certa, apesar de incompleta.

- E por que aventureiros? - Eu trouxe para o debate o ponto que faltava.

- Por que tropas se movem devagar?

- Por que Dellarte não queria trazer a guerra pra dentro do nosso território?

- Por que assim os agentes enviados teriam especialidades mais diversificadas?

- Na verdade – Safira finalmente se manifestou. - É por tudo isso que foi dito. Mas o que realmente importa é que as outras nações estavam perdendo tempo. A guerra começou a virar disputas pelos campos mais férteis e pelos saques mais lucrativos, em vez do propósito original. Enquanto todos estavam distraídos, Dellarte focou os seus esforços da forma mais eficiente: um grupo pequeno, dinâmico e versátil.

- E mesmo assim, o artefato celestial que começou a guerra não está em nossa posse. Nunca esteve – problematizei.

- Esteve na posse do agente mais patriota que já tivemos.

- Um mártir ou um traidor?

- Nenhum dos dois. No fim das contas, quando ele se uniu aos aventureiros das outras nações, aquele grupo que se formou se manteve fiel ao propósito da guerra até o final. E quando eles encontraram a Cruz, decidiram que ela não deveria ser propriedade de nenhum reino, mas daqueles que realmente cultuam os celestiais.

- Mas a Cruz está em Solar, nas mãos de seu regente, o Sumo-Sacerdote.

- O Sumo-Sacerdote não é um cargo hereditário e os dois últimos vieram daqui de Dellarte. É verdade que a Cruz está guardada em Solar, mas ela já passou pelas mãos de nativos de todas as três nações da Liga Prateada. O artefato não pertence ao reino, pertence à fé.

- E você acredita na fé? Acredita nas Sete Virtudes?

- Não sei se elas realmente têm ou tiveram algum tipo de poder mágico, mas acredito que fazem bem aos seus devotos. Certamente são melhores do que os Vícios.

- Ponto de vista interessante, Safira. Muito bem, senhoras e senhores, vamos nos aprofundar na Guerra da Cruz na próxima aula, falaremos dos grupos que enviamos pras zonas de conflito e também dos combates entre Solar e os nossos antigos vizinhos, hoje unificados sob a bandeira de Turnnin. Leiam os dois livros que indiquei no começo dessa aula até semana que vem e tenham um bom dia.

Enquanto os alunos recolhiam seus pertences, adiantei-me e segui em direção à sala dos tutores.

- Mestre – Safira interrompeu minha trajetória.

- Pois não, senhorita?

- O senhor vai continuar ministrando ano que vem, não?

- Pra onde mais eu iria?

- O senhor já foi aventureiro, poderia partir em alguma missão.

- É essa a sua vontade? Viajar? Conhecer o mundo? Desbravar ruínas e masmorras?

- Pra ser sincera, não. Prefiro a vida acadêmica.

- É uma contempladora?


- Depende. Se o senhor quer dizer pesquisadora, sim. Se o senhor se refere ao ato de absorver informações pela mera finalidade de acumular conhecimento, não.

- E não estamos todos aqui pra acumular conhecimentos?

- Não, estamos aqui pra compartilhar. Não é?

Encantadora. Corajosa ao contrariar o mestre e respeitosa ao conferir se sua opinião bate com a minha. Felizmente, Safira não seria a minha escolha.

- Não consigo imaginar melhor definição. Estamos todos aqui pra compartilhar. E respondendo a sua pergunta inicial, eu planejo lecionar ainda por um longo tempo. E espero ver o seu progresso enquanto isso.

- E eu espero orgulhá-lo, mestre.

- Ah, assim você me lisonjeia. E eu nem sou tão exigente quanto pareço, acredite – menti.

- É o senhor que me lisonjeia. Me desculpe, eu vou seguir por aquele lado.

- Fique à vontade e não se esqueça de ler os livros.

- Eu já li – ela sorriu enquanto entrava no corredor.

Admirável.

Mal consegui dar cinco passos e fui interrompido novamente.

- Mestre Thomas! – Desta vez, uma interrupção não tão agradável. Fortuita, não posso negar. Era a minha segunda opção.

- Bom dia, viajante.

- Eu não estou viajando, mestre – ele sorriu.

- Esteve no mês passado e certamente estará no próximo.


- Não sei, estou gostando daqui – era o que diziam todos os parasitas. Conheço bem esse tipo, demonstram curiosidade e respeito perante a Universidade, se tornam hóspedes, pegam as informações que desejam e somem, como se nossas bibliotecas fossem meretrizes. Escória.

- Então por que ainda não comprou calçados novos? Continua com essas botas de couro. Muito apropriados pra longas caminhadas, a propósito.


- O senhor é sempre tão bom em avaliar seus alunos ou gostou de mim?

- A resposta é sim pra uma hipótese e não pra outra, tente adivinhar qual é qual.


- Se eu adivinhar, ganho ponto na sua matéria?

- Precisa ser aluno formal pra ganhar ponto.

- E o que eu preciso pra conseguir um exemplar das Crônicas da Liga Prateada?

- Tem vinte cópias na biblioteca.


- Estão todas alugadas. Pelos seus alunos.

- Então talvez você precise se tornar meu aluno.

- Sabe o que é? É que talvez eu não vá ter tempo pra... Você sabe...

- Comprar calçados mais adequados pra vida numa cidade? Se matricular? Conhecer os tutores e os demais alunos? Criar raízes? Ser grato pelo que a Universidade tem a oferecer e acrescentar mais ao nosso conhecimento, além de apenas extraí-lo?


- Olha, mestre, não me leve a mal, isso tudo que você falou parece espetacular... Só que talvez depois. Agora, eu preciso saber mais sobre as nações que formaram Turnnin.

- Vai caçar algum monstro por aquelas redondezas semibárbaras? Quer encontrar um castelo abandonado perdido no tempo? Acha que tem alguma arma mágica esperando pra ser redescobertas numa torre esquecida?

- Na verdade, um cliente me contratou pra fazer um catálogo de armas e equipamentos usados pelas antigas nações.

- Catálogo de armas e equipamentos?

- Sim. Existem histórias, sabe? Armas de cerco que ninguém sabe como funcionavam. Lanças exóticas que ninguém sabe como manejar. Até magias que não foram ensinadas e acabaram ficando só nas fábulas dos trovadores. Esse meu contratante, um conde de Turnnin, quer reunir todas as informações possíveis num catálogo pra começar a pesquisar o que é verdade e o que é exagero pra depois redescobrir ou reinventar o que foi perdido.

Retiro o que disse sobre escória.

- Entendo. Sabe, temos alguns pesquisadores aqui na Universidade, alguns dedicados ao passado, mas nenhum com esse interesse tão específico. E vejo que sua missão é de grande utilidade.

- Bom, o meu contratante não mencionou exclusividade.

- Justo. Informação guardada não progride. Apenas quando mais mentes têm acesso ao conhecimento é que podemos transmutá-lo em avanço.

- Na verdade, ele disse que já tentou reunir outros nobres pra ajudarem a patrocinar a missão, mas ninguém deu a mínima.

- A nobreza tem severas tendências à zona de conforto, é realmente lamentável.

- Então, tem como eu conseguir uma cópia do livro? Só vou copiar os trechos sobre Turnnin e as antigas nações e suas armas e devolvo depois.

- Sim, sob uma condição.

- É só falar.

- Quero uma cópia de todos os seus registros.

- Sabe que vão ser só rascunhos pra minha viagem, né?

- Sei. Se você quiser dobrar o seu pagamento, retorne à Universidade quando terminar o seu catálogo e me entregue uma duplicata completa do seu trabalho final e, se quiser ir além de apenas registrar o passado, certamente teríamos interesse em patrocinar a sua pesquisa pra que tais armas e equipamentos perdidos renasçam.

- Hummm... Pode ser interessante... Mas e a cópia que eu preciso?

- A única que tenho acesso fica no meu escritório e não pode sair dele.

- Mas...

- Esteja lá às dez da manhã. O livro estará na mesa da minha secretária, junto a um bloco de pergaminhos. O livro não sai da mesa e eu vou ler tudo o que você escrever ao meio dia, tanto a minha quanto a sua cópia. Depois da minha leitura, você estará dispensado e poderá voltar no dia seguinte e nos dias sucessivos o quanto precisar, seguindo sempre esse mesmo horário. Entendido?


- Poxa... Obrigado!

- Agora me dê licença. Ah! Por gentileza, caso decida polir suas anotações depois do nosso horário combinado, compartilhe as novas versões dos seus rascunhos comigo.

- Pode deixar, até amanhã!

Opção descartada.

Faltava uma. Se não servisse, eu precisaria recomeçar toda a seleção, o que daria trabalho. Entretanto, seria melhor para todos. E esse sempre será o meu único propósito: o bem coletivo.

Finalmente cheguei na sala reservada aos tutores e tive mais uma surpresa indesejada.


Ele estava sentado na mesa redonda como se já fizesse parte do ambiente. Seu tomo fechado indicava que não estava estudando ou sequer lendo por lazer, ele estava apenas esquentando a cadeira e inspecionando quem entrava e saía da sala. Provavelmente para se autoafirmar, para dizer a todos que estava confortável com o lugar que, em breve e desmerecidamente, seria dele. Seu sorriso irônico confirmava sua petulância. Certamente a pior opção que eu encontrei em toda a minha vida.

- Bom dia, Thomas.

- Mestre Thomas, você quis dizer.

- Não precisamos disso entre colegas.


- Não somos colegas e eu não cultivo intimidades nem com os recém-chegados, quanto menos com alguém que não foi avaliado ainda.

- Ah, mas você sabe que em breve estaremos trabalhando juntos. Você tem turmas demais, né? Eu posso assumir algumas e te aliviar.

- Eu não te aceitaria nem como monitor.

- Oras, por que não? Algo pessoal?

- Tenho alunos mais interessados nos estudos e menos ligados a ostentações.

- São os melhores.


- Com sua licença, eu apreciaria um pouco de silêncio agora.

- Por que a gente não adianta nosso trabalho e já trocamos umas ideias sobra a ementa das aulas de história, soube que é a sua especialidade.

- Uma pergunta tola. Eu já deixei claro que não vou te tratar como um colega.

- Isso é perda de tempo.

- Esta conversa inteira é perda de tempo.

- Eu só quero colaborar.


- Não, você quer ter a fama que seu bisavô teve.


- Você não reconhece o mérito dele também?


- Reconheço todo e qualquer mérito. Mas já faz algumas gerações que sua família não se envolve em assuntos acadêmicos e mesmo seu bisavô foi uma exceção à regra, um peixe fora d'água na aristocracia. Apenas quando o nome dele ganhou mais fama do que o de qualquer um de seus contemporâneos, que seus parentes o valorizaram.

- Viu só? Está na hora de um novo Danton carregar esse legado.

- Esse legado seria manchado, caso alguém que não esteja à altura do seu bisavô tentasse assumi


- Alguém tem que dar o primeiro passo.

- O primeiro passo é terminar os estudos fundamentais, algo que você fez sem nenhum brilhantismo e há dez anos. Desde então, sua fama se tornou mais recorrente nos bordéis do que na Universidade. Na verdade, sua fama na Universidade se tornou nula.


- Eu tenho muito a oferecer à Universidade.


- Duvido que o seu conhecimento possa contribuir de qualquer forma.

- A Universidade precisa de mais do que conhecimento. Precisa de financiamento, de aliados, representatividade política.

- Funções que não cabem aos tutores.

- Mas seriam ainda mais fortes nas mãos de um.

- E depois? Todos os tutores serão aristocratas? A Universidade vai viver em busca do dinheiro em vez do conhecimento? Os cargos serão distribuídos pela politicagem, aparentemente o único idioma que você sabe falar?

- Você está sendo presunçoso.


- Não sou eu que estou sentado numa cadeira que não me pertence.


- Tudo bem, faça como preferir. Podíamos ser amigos, sabe? Mas não se preocupe, a gente volta a esse assunto depois da avaliação.


- Felizmente teremos tantos assuntos a tratar depois da avaliação quanto temos agora: nenhum.

- Tem certeza disso? Acho que seus colegas não pensam exatamente como você.

- Posso notar que você é muito resistente em perceber que o mundo não gira ao seu redor.

- E o que você pode fazer a respeito disso, Thomas?

- Que bom que perguntou: nesse exato momento posso ter o imenso prazer de chamar os guardas pra escoltá-los pra fora da sala. Você provavelmente pensa que eu me arrependeria deste gesto mais tarde, mas eu te dou toda a garantia de que vê-lo sendo despachado como o intruso que você é seria eternamente gratificante.

E, finalmente, o jovem Danton se levantou da bendita cadeira. E com o seu típico sorriso e um raro e saboroso silêncio, ele se retirou da sala dos tutores.

Eu tinha muito trabalho a fazer. Trabalho que ficaria para mais tarde.

Afinal, eu finalmente estava certo sobre a minha escolha. Qualquer outra formalidade ficaria para depois.

***

A carne estava saborosa. Ouço tantos aristocratas discutindo qual é o ponto certo, quando na verdade o prazer deles está em problematizar a vida do cozinheiro. Não vejo sentido em exigir uma técnica extravagante e uma precisão cirúrgica que, no fim das contas, vai apenas tirar o paladar da minha janta. Gosto da carne sangrenta, simples assim. Se tiver alho junto, melhor ainda. Podem falar que como carne crua, não conquistei minha posição através de futilidades. Sou indispensável no meu trabalho e me dou o direito de viver minha vida como bem entendo. Sou um homem humilde.

- Me convidou para jantar e não me esperou? Pensei que ficaria satisfeito em me insultar na Universidade – Danton era ruidoso em seus passos, ao abrir a porta e ao tagarelar. Sempre ruidoso.

- Ninguém mandou se atrasar. Sente-se, esperei para abrir o vinho em sua companhia.

- Como mantém uma casa tão grande com tão poucos criados? - Ele sentou ao meu lado enquanto uma serva foi buscar seu prato e a bebida.

- Tenho a quantidade exata pra tudo o que preciso. Como não planejo casar, acho que nunca precisarei de mais.

- Oras, sem casamento? Sem herdeiros? E o seu legado?

- Meu legado vai ficar na Universidade. Meus herdeiros serão meus alunos.

- Será lembrado como um mártir.

- Espero que não.

A carne e o vinho chegaram. Danton não disfarçou a hesitação ao olhar a quantidade de rubro e carmesim em seu prato. Cortou uma fatia e ergueu a sobrancelha ao sentir o gosto. Típico.

- Então – meu convidado falou de boca cheia. - O que devo a honra do convite? Pensei que você não falaria comigo nem depois do meu ingresso à Universidade.

- Você é um rapaz obstinado, devo reconhecer isso – enchi nossas taças. - Não concordo com seus métodos, mas não posso tirar seu mérito. Você esta prestes a ingressar, eu goste disso ou não.

- Se não pode vencê-los, una-se a eles – Danton sorriu.

- Prefiro o ditado “mantenha seus amigos próximos e os inimigos ainda mais próximos” - bebi o vinho.

- Sou seu inimigo? Que honra – ele me observou bebendo primeiro. Como não economizei no gole, ele não teve medo de quase secar a taça em um único gole.

- Não, você é um estorvo.

- Foi pra isso que me convidou, pra mais insultos? - Sua carne já estava na metade.

- Vim pra resolvermos nossas diferenças – eu beberia o caldo em meu prato, se não tivesse um convidado ao meu lado.

- E você tem alguma proposta? - Sua taça secou e eu me prontifiquei para servir mais.

- Não tenho propostas, tenho fatos – eu olhava para o vinho na minha taça quase cheia ainda.

- Quais? - Sua segunda taça já estava na metade.

- Você não vai se tornar tutor – eu mal continha o sorriso de satisfação.

- E como você vai me impedir? - A voz de Danton já estava arrastada.

- Foi prudente esperar que eu bebesse o vinho primeiro, quase ofensivo inclusive. Mas a bebida está incólume. É a sua carne que está envenenada – e mordi mais uma fatia sorrindo.

- Finalmente encontrei seu senso de humor – ele tentava cortar a carne, mas suas mãos estavam moles.

- Negação é sempre o primeiro estágio.

- Seu filho da... - Danton deixou os talheres caírem no chão e agarrou a mesa para não desabar junto.

- Por que vocês, nobres, sempre se acham imortais? São os mais fáceis de eliminar.

- Eu vou acabar com a sua vida... Você vai perder tudo o que tem... Vai apodrecer num calabouço...

- Nunca demora pra ira começar. Eu compreendo, é instintivo. Uma pena que você não consegue nem se levantar da cadeira.

Meu convidado batalhava para controlar a respiração.

- Podíamos trabalhar juntos pra melhora a Universidade, sabia? - Ele finalmente começava a entender seu destino. - Você ficaria rico e a Universidade alcançaria fama lendária... Eu prometo que...

- Será que nem morrendo você pode ter dignidade? Conheço esse tipo de barganha, é o apelo que qualquer idiota com dinheiro faz sem nem precisar ser envenenado. Já vi outros caindo nessa ladainha. Você continuaria com o triplo de dinheiro que eu tenho, eu ganharia uma esmola e você transformaria a Universidade num prostíbulo. Seu ego é inflado demais pra você entender, não é? Estou salvando a Universidade. Estou limpando o mundo de uma pessoa que se transveste de erudito por interesses próprios.

- Você não vai se safar – uma lágrima escorreu do miserável.

- Agora que você notou que não é imortal, acha que os outros sempre vão ficar piores do que você, mesmo depois da sua morte, afinal, sempre foi assim que a sua vida funcionou. Mas devo lembrar que você nunca deu satisfação nenhuma pra sua família. Você gosta de deixar que sua fama informe seus parentes sobre suas viagens e seus feitos, de modo que eles nem sequer sabem que você está em Dellarte nesse momento. Quando derem por sua falta na Universidade, não vai demorar pra concluírem que você simplesmente se cansou da gente e foi buscar alguma outra aventura. É isso que acontece com aventureiros, morrem na estrada e ninguém nunca tem certeza do que aconteceu. Achou mesmo que eu seria burro de fazer qualquer coisa antes de conferir a sua história? Meu desprezo por você começou pelas minhas pesquisas e só se confirmou quando começou a invadir a sala dos tutores. Se ao menos a sua família estivesse perto, eu precisaria planejar uma limpeza mais elaborada. Obrigado por ter feito metade do serviço por mim, a propósito.

- Eu sou um campeão e você é um velho enfurnado em livros empoeirados. Me despreze o quanto quiser, ao menos eu não sou um assassino.

- Sério que você vai usar suas últimas forças pra fazer uma bravata inútil? Já devia ter percebido que eu não ligo. Eu já matava quando era aventureiro, deve ser um hábito que não dá pra parar. Agora eu torno o mundo um lugar melhor sem os vilões que infectam nosso conhecimento com seu mercantilismo e seu ego.

- Eu... Eu... Eu...

- Péssimas últimas palavras.

E finalmente o silêncio.

Limpei a boca com um lenço e bati palmas para os criados limparem a mesa. Eu não preciso de muitos criados, preciso de criados eficientes e fiéis à minha causa. Não sou exigente.

Sou apenas um homem humilde tornando o mundo um lugar melhor.

***

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